De período em período, surge uma figura cujo talento ou qualquer outra característica relevante atinge uma grande quantidade de pessoas fazendo do seu nome uma referência a ser respeitada, não importa o tempo que passe. Entretanto, algumas vezes, essa personalidade extrapola os limites de ídolo, tornando-se um verdadeiro herói para o seu povo. E a confirmação desse status se consolida, quando mesmo depois de 16 anos de sua ausência, um filme que tenta reconstruir tudo o que esse herói representou alcançam os mais frágeis sentimentos do espectador e o faz relembrar com emoção o que os atos daquele indivíduo significaram. Um grande exemplo desta concepção de ídolo, de herói foi, sem sombra de dúvida o cavaleiro do asfalto Ayrton Senna.
O lançamento de "Senna", foi certamente uma surpresa para muita gente, por dois motivos: O primeiro deles é que um documentário dedicado à um dos maiores desportistas de todos os tempos não teve tanta divulgação, correndo o sério risco de afundar-se na obscuridade. O segundo, é que o filme é dirigido por um diretor de descendênscia indiana - Asif Akapadia. Esses dois fatores me levaram ao cinema desconfiado, achando que por mais que Akapadia e sua equipe fossem apaixonados pela história de Ayrton Senna, não conseguiriam remontar os mais belos momentos da carreira do piloto. Mas eu estava totalmente e felizmente enganado.
"Senna" é a mais perfeita versão da história de Ayrton. Para começar, o filme não perde tempo em seus momentos iniciais contando desde o dia em que o protagonista nasceu, toda a sua infância, como, quando e onde ingressou no kart, etc. Muito pelo contrário, o primeiro ato é uma brevíssima passagem apenas para interar os mais desinformados que Senna começou no kart antes de entrar na Fórmula 1. Primeira bela decisão de Akapadia, porque quem vai ao cinema para ver e ouvir sobre o brasileiro, quer certamente ver e ouvir sobre Fórmula 1.
Neste documentário, vemos duas faces do piloto: A primeira, e mais conhecida, de "bom moço". Rapaz humilde, religioso, sempre com um jeito sereno de falar, Senna pareceu, durante toda a vida, compromissado em colocar um sorriso no rosto de cada brasileiro. E a segunda, e devo admitir que pra mim foi muito surpreendente, de um sujeito que nunca em sua vida aceitou a posição de subordinado, ainda que a sua condição realmente fosse esta. Vejam, por exemplo como Senna enfrenta periodicamente Jean-Marie Ballestre, presidente da FIA de 1986 a 1993. Muito pelo contrário, Senna sempre foi uma pessoa disposta não somente a lutar por aquilo em que acreditava e queria. Ele também sempre esteve a disposto a impor tudo isso. E o talento natural que tinha lhe dava algum crédito para que tomasse esse tipo de atitude. Isso é comprovado, numa cena na qual em uma reunião de pilotos, por maioria de votos e por iniciativa de Senna, o guard rail de um determinado circuito acaba ficando composto por cones, e não mais por pneus, como anteriormente.
E que belíssima decisão do diretor em enfatizar durante toda a projeção, aquela que aparentemente foi a maior rivalidade da história da Fórmula 1: Ayrton Senna e Alain Prost. É no mínimo empolgante ver toda a trajetória que os dois traçaram juntos na modalidade. Quando Senna iniciou na Fórmula 1, Prost já tinha a sua reputação consolidada, sendo até apelidado de "professor" pelos especialistas, devido à sua forma metódica de correr. Mas o francês já viu, logo a princípio que sua condição de "piloto a ser reverenciado" estava ameaçada pelo iniciante Ayrton Senna, então correndo pela Tolleman. E esse temor se concretizou no circuito de Mônaco, no qual Senna só não ganhou a corrida, pela decisão do também francês Jean-Marie Ballestre de encerrar antecipadamente a corrida, ao que parece, para garantir a vitória de seu protegido e amigo pessoal, Alain Prost. E que jogada de mestre, no ano de 1988, a McLaren juntar as duas lendas para correrem lado a lado. Mais um motivo para que Prost, fomentasse ainda mais essa rivalidade, já que nesse ano Ayrton se sobressaiu e se sagrou campeão mundial. É extremamente curioso ver, no filme, as entrevistas que os dois concediam juntos. Apesar de esbanjarem sorrisos e brincadeiras, é perfeitamente notável que a rivalidade incendiava o interior dos dois, um querendo se sobressair ao outro. Na verdade, Senna e Prost só diferiam no estilo de correr. No restante, eles eram iguais. Possivelmente esteja aí, a nascente de toda a inimizade entre os dois. Talvez uma falha, mas que se fez necessária pelo fato de a projeção ser em homenagem ao brasileiro, foi o fato de Akapadia ter antagonizado Alain Prost ao extremo. Isso fica bem evidente numa citação do piloto na qual ele diz: "O Senna não queria só me superar. Ele queria me humilhar. Esse era o maior defeito dele". Mas, assim como eu disse foi uma falha que se fez natural. Talvez, se o filme fosse uma homenagem a Prost, Senna seria personalizado como o grande vilão.
Senna se mostrou promissor na Tolleman. Acenou com grandes perspectivas na Lottus. Virou realidade na McLaren. Mas, sempre na ambição de vencer, escolheu a Williams-Renault como próxima equipe a defender. A última equipe. A partir do momento em que Ayrton ingressa na Williams, a projeção assume um tom claramente mais melancólico. Expõe todo o conflito que Senna enfrentou com o novo carro. E que momento cruel, quando numa visão panorâmica de um circuito, letras gigantes anunciam o Grande Prêmio de San Marino. Na sexta-feira daquele fim de semana, dia 29 de abril, Barrichello sofre um grave acidente, mas sai com vida. No sábado, dia 30 de abril, Roland Ratzenberger também se acidenta, mas de forma fatal. Os dois fatores que tornaram a sempre leve expressão de Senna, numa face carrancuda, que passa a mão pelo rosto inúmeras vezes, expressando um certo presságio: alguma coisa daria errada...
Foi então que no dia 1º de Maio de 1994, a maior fatalidade da história da Fórmula 1 aconteceu. Na curva Tamburello, Ayrton Senna perdeu o controle de seu carro e colidiu com o muro, para nunca mais voltar a correr. Nunca mais, o povo brasileiro veria Senna e seus inesquecíveis gestos de patriotismo.
E é aí que mais uma vez, Asif Akapadia acerta. Durante o velório do piloto, as pessoas que foram importantes em sua vida, vão sendo evidenciadas em flashbacks. Os pais, a irmã Viviane, Ron Deni, Frank Williams, as namoradas Xuxa e Adriane Galisteu e o que talvez mais mexe com o espectador: O grande rival Alain Prost - hoje um dos colaboradores do Instituto Ayrton Senna.
Esse sem dúvida, foi o melhor documentário que eu já vi na minha vida. Ele não só remonta o que Senna foi. Ele incrementa, engrandecendo ainda mais a sua história, fazendo de Ayrton, uma personalidade a ser lembrada pelo resto da eternidade.
OBS.: Foi muito bom verificar que fatos marcantes para o brasileiro exclusivamente foram lembrados nesse filme, como tema da vitória, e a inesquecível voz de Galvão Bueno.
Concordo e assino embaixo, com cada letra acima. O "filme" sobre a vida de Ayrton Senna, talvez revele para muitos, que o heróia existia, além de tudo, também fora das pistas. Parabéns Henrique.
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